quinta-feira, 3 de março de 2016

O amor não faz conta

Quem já sofreu por amor costuma desenvolver mecanismos de defesa, e às vezes adiciona requintes de crueldade a essa inútil tarefa.
Exige que o outro se mostre primeiro para barganhar o tanto de si que poderá ser visto. Não quer se decepcionar outra vez e usa o “novo amor” para descontar os traumas da antiga relação ou para fazer testes imbecis.
Aperfeiçoa a tática da indiferença e preguiça, mal sabe que o risco de se apaixonar é proporcional ao desdém empregado. Cobra que o outro fique nu de si mesmo enquanto sequer tirou o roupão da alma. Mostra-se devagar, em doses homeopáticas, enquanto o outro se entrega desarmado e esperançoso.
A desconfiança vai cedendo aos poucos. O sorriso do outro deixa de ser apenas decorativo, passa a ser imprescindível. Urgente. O amor passa a ser considerado uma hipótese; os olhos são explorados com demora e os detalhes mais bobos são reparados com admiração profunda.
A boca já não é apenas o receptáculo de beijos comuns. É dali que sai a poesia do improviso, acompanhada de toques sôfregos e promessas sussurradas. A ausência começa a doer fundo e cada objeto tocado pelo outro se transforma em peça única no mundo. São mimos sinestésicos, talismãs que amenizam a saudade.
É quando a matemática ajoelha diante do amor, e o perigo de ser trouxa sai da pauta. Ainda não consegue se entregar totalmente, mas vai se esgueirando nas palavras amorosas do outro, e já sente que pode caminhar na relação sem as rodinhas do medo.
É quando compartilha o casaco para impedir que o outro pegue um resfriado.
É quando empresta os ouvidos a um problema, a uma dor, e se dói junto, sem a preocupação de espantar a torrente de lágrimas e o desespero.
É quando cede o cachorro para acompanhar o outro num passeio. A guarda temporária do afeto de patas indica o progresso da união. Cuidar do cachorro do namorado é o vestibular da confiança.
É quando admite que estava errado e com medo de sofrer. Que fechou as portas quando devia abrir o coração.
É quando pede perdão e admite que cada ser é um “estranho ímpar”.
É quando abandona a mania de adiantar “tragédias” e se deixa viver. (Apenas viver!)
(Fabíola Simões)

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