quarta-feira, 30 de março de 2016

Amor é isto: a dialética entre a alegria do encontro e a dor da separação. De alguma forma a gota de chuva aparecerá de novo, o vento permitirá que velejemos de novo, mar afora.
Morte e ressurreição. Na dialética do amor, a própria dialética do divino.
Quem não pode suportar a dor da separação, não está preparado para o amor. Porque o amor é algo que não se tem nunca. É evento de graça.
Aparece quando quer, e só nos resta ficar à espera. E quando ele volta, a alegria volta com ele. E sentimos então que valeu a pena suportar a dor da ausência, pela alegria do reencontro.
Rubem Alves


O esquecimento, frequentemente, é uma graça. Muito mais difícil que lembrar é esquecer! Fala-se de “boa memória”. Não se fala de “bom esquecimento”, como se esquecimento fosse apenas memória fraca. Não é não.
Esquecimento é perdão, o alisamento do passado, igual ao que as ondas do mar fazem com a areia da praia durante a noite.

Rubem Alves




A solidão amiga

A noite chegou, o trabalho acabou, é hora de voltar para casa. Lar, doce lar? Mas a casa está escura, a televisão apagada e tudo é silêncio. Ninguém para abrir a porta, ninguém à espera. Você está só. Vem a tristeza da solidão... O que mais você deseja é não estar em solidão...

Mas deixa que eu lhe diga: sua tristeza não vem da solidão. Vem das fantasias que surgem na solidão. Lembro-me de um jovem que amava a solidão: ficar sozinho, ler, ouvir, música... Assim, aos sábados, ele se preparava para uma noite de solidão feliz. Mas bastava que ele se assentasse para que as fantasias surgissem. Cenas. De um lado, amigos em festas felizes, em meio ao falatório, os risos, a cervejinha. Aí a cena se alterava: ele, sozinho naquela sala. Com certeza ninguém estava se lembrando dele. Naquela festa feliz, quem se lembraria dele? E aí a tristeza entrava e ele não mais podia curtir a sua amiga solidão. O remédio era sair, encontrar-se com a turma para encontrar a alegria da festa. Vestia-se, saía, ia para a festa... Mas na festa ele percebia que festas reais não são iguais às festas imaginadas. Era um desencontro, uma impossibilidade de compartilhar as coisas da sua solidão... A noite estava perdida.

Faço-lhe uma sugestão: leia o livro A chama de uma vela, de Bachelard. É um dos livros mais solitários e mais bonitos que jamais li. A chama de uma vela, por oposição às luzes das lâmpadas elétricas, é sempre solitária. A chama de uma vela cria, ao seu redor, um círculo de claridade mansa que se perde nas sombras. Bachelard medita diante da chama solitária de uma vela. Ao seu redor, as sombras e o silêncio. Nenhum falatório bobo ou riso fácil para perturbar a verdade da sua alma. Lendo o livro solitário de Bachelard eu encontrei comunhão. Sempre encontro comunhão quando o leio. As grandes comunhões não acontecem em meio aos risos da festa. Elas acontecem, paradoxalmente, na ausência do outro. Quem ama sabe disso. É precisamente na ausência que a proximidade é maior. Bachelard, ausente: eu o abracei agradecido por ele assim me entender tão bem. Como ele observa, "parece que há em nós cantos sombrios que toleram apenas uma luz bruxoleante. Um coração sensível gosta de valores frágeis". A vela solitária de Bachelard iluminou meus cantos sombrios, fez-me ver os objetos que se escondem quando há mais gente na cena. E ele faz uma pergunta que julgo fundamental e que proponho a você, como motivo de meditação: "Como se comporta a Sua Solidão?" Minha solidão? Há uma solidão que é minha, diferente das solidões dos outros? A solidão se comporta? Se a minha solidão se comporta, ela não é apenas uma realidade bruta e morta. Ela tem vida.

Entre as muitas coisas profundas que Sartre disse, essa é a que mais amo: "Não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você." Pare. Leia de novo. E pense. Você lamenta essa maldade que a vida está fazendo com você, a solidão. Se Sartre está certo, essa maldade pode ser o lugar onde você vai plantar o seu jardim.

Como é que a sua solidão se comporta? Ou, talvez, dando um giro na pergunta: Como você se comporta com a sua solidão? O que é que você está fazendo com a sua solidão? Quando você a lamenta, você está dizendo que gostaria de se livrar dela, que ela é um sofrimento, uma doença, uma inimiga... Aprenda isso: as coisas são os nomes que lhe damos. Se chamo minha solidão de inimiga, ela será minha inimiga. Mas será possível chamá-la de amiga? Drummond acha que sim: "Por muito tempo achei que a ausência é falta./ E lastimava, ignorante, a falta./ Hoje não a lastimo./ Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim./ E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,/ que rio e danço e invento exclamações alegres,/ porque a ausência, essa ausência assimilada,/ ninguém a rouba mais de mim.!"

Nietzsche também tinha a solidão como sua companheira. Sozinho, doente, tinha enxaquecas terríveis que duravam três dias e o deixavam cego. Ele tirava suas alegrias de longas caminhadas pelas montanhas, da música e de uns poucos livros que ele amava. Eis aí três companheiras maravilhosas! Vejo, frequentemente, pessoas que caminham por razões da saúde. Incapazes de caminhar sozinhas, vão aos pares, aos bandos. E vão falando, falando, sem ver o mundo maravilhoso que as cerca. Falam porque não suportariam caminhar sozinhas. E, por isso mesmo, perdem a maior alegria das caminhadas, que é a alegria de estar em comunhão com a natureza. Elas não vêem as árvores, nem as flores, nem as nuvens e nem sentem o vento. Que troca infeliz! Trocam as vozes do silêncio pelo falatório vulgar. Se estivessem a sós com a natureza, em silêncio, sua solidão tornaria possível que elas ouvissem o que a natureza tem a dizer. O estar juntos não quer dizer comunhão. O estar juntos, frequentemente, é uma forma terrível de solidão, um artifício para evitar o contato conosco mesmos. Sartre chegou ao ponto de dizer que "o inferno é o outro." Sobre isso, quem sabe, conversaremos outro dia... Mas, voltando a Nietzsche, eis o que ele escreveu sobre a sua solidão:

"Ó solidão! Solidão, meu lar!... Tua voz - ela me fala com ternura e felicidade!

Não discutimos, não queixamos e muitas vezes caminhamos juntos através de portas abertas.

Pois onde quer que estás, ali as coisas são abertas e luminosas. E até mesmo as horas caminham com pés saltitantes.

Ali as palavras e os tempos/poemas de todo o ser se abrem diante de mim. Ali todo ser deseja transformar-se em palavra, e toda mudança pede para aprender de mim a falar."

E o Vinícius? Você se lembra do seu poema O operário em construção? Vivia o operário em meio a muita gente, trabalhando, falando. E enquanto ele trabalhava e falava ele nada via, nada compreendia. Mas aconteceu que, "certo dia, à mesa, ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção ao constatar assombrado que tudo naquela casa - garrafa, prato, facão - era ele que os fazia, ele, um humilde operário, um operário em construção (...) Ah! Homens de pensamento, não sabereis nunca o quando aquele humilde operário soube naquele momento! Naquela casa vazia que ele mesmo levantara, um mundo novo nascia de que nem sequer suspeitava. O operário emocionado olhou sua própria mão, sua rude mão de operário, e olhando bem para ela teve um segundo a impressão de que não havia no mundo coisa que fosse mais bela. Foi dentro da compreensão desse instante solitário que, tal sua construção, cresceu também o operário. (...) E o operário adquiriu uma nova dimensão: a dimensão da poesia."

Rainer Maria Rilke, um dos poetas mais solitários e densos que conheço, disse o seguinte: "As obras de arte são de uma solidão infinita." É na solidão que elas são geradas. Foi na casa vazia, num momento solitário, que o operário viu o mundo pela primeira vez e se transformou em poeta.

E me lembro também de Cecília Meireles, tão lindamente descrita por Drummond:

"...Não me parecia criatura inquestionavelmente real; e por mais que aferisse os traços positivos de sua presença entre nós, marcada por gestos de cortesia e sociabilidade, restava-me a impressão de que ela não estava onde nós a víamos... Distância, exílio e viagem transpareciam no seu sorriso benevolente? Por onde erraria a verdadeira Cecília..."

Sim, lá estava ela delicadamente entre os outros, participando de um jogo de relações gregárias que a delicadeza a obrigava a jogar. Mas a verdadeira Cecília estava longe, muito longe, num lugar onde ela estava irremediavelmente sozinha.

O primeiro filósofo que li, o dinamarquês Soeren Kiekeggard, um solitário que me faz companhia até hoje, observou que o início da infelicidade humana se encontra na comparação. Experimentei isso em minha própria carne. Foi quando eu, menino caipira de uma cidadezinha do interior de Minas, me mudei para o Rio de Janeiro, que conheci a infelicidade. Comparei-me com eles: cariocas, espertos, bem falantes, ricos. Eu diferente, sotaque ridículo, gaguejando de vergonha, pobre: entre eles eu não passava de um patinho feio que os outros se compraziam em bicar. Nunca fui convidado a ir à casa de qualquer um deles. Nunca convidei nenhum deles a ir à minha casa. Eu não me atreveria. Conheci, então, a solidão. A solidão de ser diferente. E sofri muito. E nem sequer me atrevi a compartilhar com meus pais esse meu sofrimento. Seria inútil. Eles não compreenderiam. E mesmo que compreendessem, eles nada podiam fazer. Assim, tive de sofrer a minha solidão duas vezes sozinho. Mas foi nela que se formou aquele que sou hoje. As caminhadas pelo deserto me fizeram forte. Aprendi a cuidar de mim mesmo. E aprendi a buscar as coisas que, para mim, solitário, faziam sentido. Como, por exemplo, a música clássica, a beleza que torna alegre a minha solidão...

A sua infelicidade com a solidão: não se deriva ela, em parte, das comparações? Você compara a cena de você, só, na casa vazia, com a cena (fantasiada ) dos outros, em celebrações cheias de risos... Essa comparação é destrutiva porque nasce da inveja. Sofra a dor real da solidão porque a solidão dói. Dói uma dor da qual pode nascer a beleza. Mas não sofra a dor da comparação. Ela não é verdadeira.

Mas essa conversa não acabou: vou falar depois sobre os companheiros que fazem minha solidão feliz.
Rum Alves

Nunca gostei muito da expressão “no começo tudo são flores”. Sei lá, acho que soa como uma espécie de banho de água fria. Você está lá, no início de algo maravilhoso, mas vem alguém e te diz que depois tudo vai ficar ruim. Que as coisas vão desandar. Principalmente quando se trata de relacionamentos amorosos.Com certeza todo mundo já ouviu essa frase e até já passou por isso de verdade. Mas acho que devemos enxergá-la apenas como um alerta e nunca, jamais, deixá-la fazer sentido em nossos relacionamentos.
A gente precisa cuidar de quem está ao nosso lado (e isso não pode ser sinônimo de fardo, aliás, se cuidar de uma relação que você mesmo se permite estar, é algo degradante, algo precisa ser revisto, não acha?!). Muitas vezes cometemos o grande erro de achar que isso só deve ser feito no início da relação. Perdemos o interesse em saber como foi o dia do outro, em ouvir os desabafos, os medos, os sonhos, os planos. Algo que no início acontecia naturalmente e não gerava nenhum incômodo, se torna um peso, um momento de impaciência.
Não tenho muita experiência com relacionamentos, confesso, e também não estou aqui querendo dar lição de moral, jamais. Mas parto do princípio de que uma relação vai se desestabilizando na medida em que o interesse pelo parceiro e pela própria relação cessa pouco a pouco. Não falo de interesse sexual – o que importa, claro-, mas coisas simples que vão se perdendo com o tempo, causam estragos enormes.
A ausência de um elogio, uma surpresa em datas não especiais, uma visita inesperada, uma declaração via Whatsapp-caso a presença física no momento não seja possível (ora, a tecnologia quando bem usada, pode ser uma aliada enorme haha)-, uma palavra amiga, um conforto, um “não se preocupa, eu estou contigo”, uma disponibilidade para conversar e ouvir o parceiro, afinal, a falta de diálogo é como ser detento em uma prisão na qual você mesmo permitiu que as grades fossem colocadas. Gestos pequenos podem ser os maiores alicerces de qualquer relação. Olha, momentos ruins sempre irão existir, brigas são inevitáveis, porém, é preciso aprender, dia após dia, junto com o parceiro, a lidar com tais situações.
Se você escolheu viver ao lado de alguém e compartilhar sua vida com ele, que se tenha o maior esforço possível para que as flores sejam plantadas no início e regadas a todo instante para que não murchem e morram. Dê atenção, cuidado, tenha paciência, generosidade, releve o que puder ser relevado e converse o que não da para ser “engolido” e dê ao parceiro a liberdade necessária para que ele também se sinta a vontade para fazer isso. Abrace e beije com a mesma frequência que era no começo. Relembre, sempre que necessário, os motivos que te fizeram estar ali, com aquela pessoa.  Demonstre através das palavras e gestos o quanto o outro é importante para você. Porque, meu caro, eu acredito que, sim, as flores podem até possuir espinhos, mas quando os dois estão dispostos, eles (os espinhos) jamais serão suficientes parar destruir todo o jardim.
Ana Luiza Santana)

Apesar de nos resguardar do perigo, o medo nos afasta da vida. Da vida e de suas inúmeras mortes. Da vida e de seus vários renascimentos. O equilibrista desafia o perigo com a certeza de que a morte está perto, mas não irá derrubá-lo. Já os que vacilam perante os desafios da própria existência constroem muros onde podem se refugiar, isolando-se de uma vida nova, muitas vezes melhor.
__Fabíola Simões


quarta-feira, 9 de março de 2016

Engana-se quem pensa que o amor já vem pronto.
Não amamos á primeira vista!
Podemos nos apaixonar, simpatizar, amar o nosso próprio reflexo refletido no outro.
Mas, amor é diferente!
Amor é construção, doação, tolerância, é amar o outro sem ilusões contraditórias. 


Elisabete Coelho


Emoticon wink

quinta-feira, 3 de março de 2016

O amor não faz conta

Quem já sofreu por amor costuma desenvolver mecanismos de defesa, e às vezes adiciona requintes de crueldade a essa inútil tarefa.
Exige que o outro se mostre primeiro para barganhar o tanto de si que poderá ser visto. Não quer se decepcionar outra vez e usa o “novo amor” para descontar os traumas da antiga relação ou para fazer testes imbecis.
Aperfeiçoa a tática da indiferença e preguiça, mal sabe que o risco de se apaixonar é proporcional ao desdém empregado. Cobra que o outro fique nu de si mesmo enquanto sequer tirou o roupão da alma. Mostra-se devagar, em doses homeopáticas, enquanto o outro se entrega desarmado e esperançoso.
A desconfiança vai cedendo aos poucos. O sorriso do outro deixa de ser apenas decorativo, passa a ser imprescindível. Urgente. O amor passa a ser considerado uma hipótese; os olhos são explorados com demora e os detalhes mais bobos são reparados com admiração profunda.
A boca já não é apenas o receptáculo de beijos comuns. É dali que sai a poesia do improviso, acompanhada de toques sôfregos e promessas sussurradas. A ausência começa a doer fundo e cada objeto tocado pelo outro se transforma em peça única no mundo. São mimos sinestésicos, talismãs que amenizam a saudade.
É quando a matemática ajoelha diante do amor, e o perigo de ser trouxa sai da pauta. Ainda não consegue se entregar totalmente, mas vai se esgueirando nas palavras amorosas do outro, e já sente que pode caminhar na relação sem as rodinhas do medo.
É quando compartilha o casaco para impedir que o outro pegue um resfriado.
É quando empresta os ouvidos a um problema, a uma dor, e se dói junto, sem a preocupação de espantar a torrente de lágrimas e o desespero.
É quando cede o cachorro para acompanhar o outro num passeio. A guarda temporária do afeto de patas indica o progresso da união. Cuidar do cachorro do namorado é o vestibular da confiança.
É quando admite que estava errado e com medo de sofrer. Que fechou as portas quando devia abrir o coração.
É quando pede perdão e admite que cada ser é um “estranho ímpar”.
É quando abandona a mania de adiantar “tragédias” e se deixa viver. (Apenas viver!)
(Fabíola Simões)

Que a gente aprenda a buscar nossa afetividade no presente, mas também no tempo que deixamos pra trás. Que possamos nos lembrar de como era bom ter amigos no portão e ouvir a mãe chamando pro jantar. Que recordemos antigos aromas, como o da chuva numa tarde de maio e do bolo com café numa reunião de família. Que não esqueçamos antigos sons, como a voz da avó cantando.
___Fabíola Simões



"Já não importa mais a casa onde morei. Importa sim, a casa dentro de mim. Sabendo que vou me lapidando a partir do que existe, mas também daquilo que vivi e deixei partir".

Mia Couto


Todas as estações são belas assim como nós, seres humanos, cada qual a sua maneira.

Elisabete Coelho


Precisamos passar pelas tempestades para nos sentirmos vivos!
(Matilde Da Silva Coelho)




Aqueles que gostam dos aduladores, necessitam inflar o ego, ficam cegos pela vaidade, deixam-se levar pela ilusão. Os aduladores são pessoas de pouca fé, pessoas de alma pequena, são pessoas que possuem uma extrema carência e falta de amor.

Elisabete Coelho