terça-feira, 20 de outubro de 2015

                             Abençoados sejam os inimigos que nos fortalecem.

A cada escolha que fazemos, abrimos mão de algo que também nos era valioso; é uma questão de atribuir valor à escolha. A cada decisão que tomamos, angariamos a admiração de uns e o repúdio de outros; é o preço que pagamos por sermos fiéis ao que acreditamos. A cada opinião que emitimos, encontramos eco nos semelhantes e críticas nos divergentes; é a consequência imediata por admitirmos uma posição, por não cabermos no conforto da alienação. Jamais estaremos em acordo completo com todos. E, muitas vezes, o simples fato de existirmos dentro de um conceito social e humano, pode despertar a ira alheia. Que venha a ira! É melhor sermos odiados do que sermos ignorados.
A citação “Os amigos dizem-se sinceros; os inimigos são-nos”, de autoria do Filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788 – 1860), serve como um espinho sobre as nossas mais profundas idealizações acerca dos relacionamentos sócio-afetivos. Cercamo-nos da proteção daqueles que se declaram nossos amigos, afetos e amores, apoiados na crença de que, dessa forma, estaremos protegidos do mal e da maldade. Difícil saber. O ser humano é movido pelas paixões e não é capaz de amar a ninguém mais, na mesma medida que ama a si mesmo. Salvo o amor aos descendentes, consanguíneos ou não, todo o resto fica menor diante da necessidade de auto-preservação e da ameaça à felicidade, ao sucesso e à segurança. Os amigos utilizam-se da sinceridade em doses calculadas, cujo limite é o nosso ponto de aceitação em relação ao pensamento despido do outro. Na verdade, não estamos de fato interessados em sinceridades sem limite. Estamos? Quantas vezes jogamos no colo do outro, questionamentos referentes ao nosso modo de agir, pensar ou nos apresentar, apenas interessados em uma opinião que venha ao encontro da nossa? A sinceridade é a verdade sem maquiagem. A sinceridade é ferramenta útil nas mãos do inimigo. Sem nos confrontarmos com ela, tornamo-nos pessoas gelatinosas e mornas, no conforto das “mentiras sinceras” que brotam das bocas, olhos e abraços daqueles que nos querem bem. Precisamos da sinceridade do inimigo para nos atiçar o desejo do bom combate, para nos despertar diante do opositor. Amigos não são sinceros o suficiente para nos fortalecer; os inimigos, sim.
Mahatma Gandhi, foi o maior líder pacifista de toda a História da humanidade. Embora usassem de atos violentos contra a população da índia, os ingleses evitavam o confronto aberto contra Gandhi. O líder expressava seu desacordo contra a ocupação inglesa por meio de jejuns, marchas e desobediência civil, incentivando o não pagamento de impostos e o boicote a produtos ingleses. Em 1922, Gandhi foi detido em virtude de uma greve contra o aumento de impostos, que culminou com uma multidão incendiando um posto policial. Gandhi foi julgado e condenado a seis anos de prisão. Libertado em 1924, Gandhi continuou a orientar a população a posicionar-se contra a opressão inglesa de forma pacífica. Em 1930, liderou a marcha para o mar, na qual milhares de pessoas caminharam mais de 320 quilômetros para protestar contra o imposto sobre o sal. Para complicar ainda mais o cenário, as rivalidades existentes entre hindus e muçulmanos na Índia, retardaram o processo de independência. Com o início da Segunda Guerra Mundial, Gandhi voltou à luta pela retirada imediata dos britânicos do seu país. Por fim em 1947 os ingleses reconheceram a independência da Índia, contudo mantiveram seus interesses econômicos. As divisões internas levaram o governo a criar duas nações, a União Indiana, governada pelo primeiro ministro Nehru, e o Paquistão, de população muçulmana. A divisão interna gerou violenta migração de hindus e muçulmanos em direções opostas da fronteira, o que resultou em sérios conflitos. Gandhi aceitou a divisão do país e atraiu o ódio dos nacionalistas. Um ano após conquistar a independência, foi morto a tiros por um hindu rebelde, quando se encontrava em Nova Délhi, capital indiana, no dia 30 de janeiro de 1948. Suas cinzas foram jogadas no Rio Ganges, local sagrado para os hindus. É dele a citação “O fraco jamais perdoa; o perdão é uma das características do forte”. Gandhi tinha profundo respeito por seus inimigos. Ele não os temia, mas era temido por eles. E pagou com sua vida pela insurgência contra o sistema de opressão política e intolerância religiosa.

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